Resumen
O estudo do mobiliário como fenómeno coleccionista tem sido muito pouco aprofundado, ou mesmo deixado para segundo plano, em relação a outras áreas das artes decorativas.
Há, no entanto, uma área muito especifica de mobiliário, ligado a uma aventura de conhecimento e descoberta do Universo que, não apenas por este facto, mas também pelos materiais nele utilizados, pelo seu exotismo, pela originalidade das suas decorações, pelos métodos empregues nos seu fabrico, pelas alterações das formas, pela originalidade das ferragens, pelo seu atrevimento, pela sua riqueza, pela sua novidade, pela sua cor, pela sua minucia, merece ser destacado do restante e carece de tratamento especifico do ponto de vista do Coleccionismo.
Não apenas por estas razões mas também pelo seu simbolismo, pelo significado de poder e opulência que os mesmos chegam a representar. Pelo destaque social e politico que, muitas vezes, atribuem ao seu proprietário.
São móveis, mesmo que de muito pequeno porte, como pequenas caixas, cofres ou contadores, ocupam um lugar muito importante nas "Camaras de Maravilhas" do séc. XVI. Transportadas nas naus que arribavam a Lisboa espalhavam-se por toda a Europa como objectos de culto. Culto de um Novo Mundo, ainda ao alcance de muito poucos, cheio de mistério e de mistérios, de misticismos e lendas, de cuja prova esses mesmo objectos eram, muitas vezes, a demonstração real.
Para se falar de um verdadeiro coleccionismo deste tipo de mobiliário têm que se ter reunido as condições para tal. Ou seja: uma especial apetência para a sua aquisição e procura, uma classe alta e nobre especialmente apaixonada por esta classe de objectos, uma oferta significativa, e portanto centros de fabrico com produções minimamente organizadas, uma rede de comércio especializada, comerciantes que sabiam dessa apetência, encomendas e quem as orientasse no local de origem, agentes especialmente vocacionados e orientados para este tipo de mobiliário e para a sua distribuição a partir de Lisboa para toda a Europa.
Muitas das grandes famílias europeias da época tinham os seus próprios compradores sedeados em Lisboa. Não tendo, propriamente, prova documental de que estes "procuradores" buscavam mobiliário luso-oriental, se procuravam jóias, bezoares e pedras preciosas da Rua Nova dos Mercadores em Lisboa não ficariam, certamente, indiferentes a um cofre de tartaruga ou a uma caixa de marfim. Muito menos a um contador, especialmente concebido para as conter e guardar.
Não temos dúvidas, pela quantidade de exemplares existentes nos dias de hoje, da enorme produção deste tipo de mobiliário, incidentemente no séc. XVI.
Também não temos dúvidas da raridade de alguns deles, exactamente pela razão contrária e pelo facto de, raramente ou nunca, constarem de qualquer inventário.
Podemos afirmar, sem receio, que este mobiliário se espalhou por toda a Europa renascentista; encontramo-lo em importantes colecções europeias e colecções reais europeias. São ofertas frequentes entre famílias nobres e reais, de que D. Catarina de Áustria, Rainha de Portugal, é o exemplo mais eloquente no espaço europeu.
Tentamos demonstrar a importância do rincão ibérico na génese das "Kunstkammern" e grandes colecções de Exótica na Europa renascentistas.
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